Os Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Transportes firmaram um acordo inédito para viabilizar a pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), conforme publicado pela Folha de S.Paulo em 15 de julho de 2025. Batizado de Plano BR-319, o acordo, liderado pela ministra Marina Silva e pelo ministro Renan Filho, busca conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental em uma das obras mais controversas da Amazônia, enfrentando décadas de entraves relacionados ao licenciamento ambiental e ao risco de desmatamento. A iniciativa inclui uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e medidas para mitigar impactos na chamada “zona crítica” de 50 km de cada lado da rodovia.
Detalhes do Plano BR-319
O Plano BR-319 estabelece um cronograma de ações socioambientais para viabilizar o licenciamento do “Trecho do Meio” (km 250 a 656, cerca de 400 km sem asfalto), considerado o ponto mais crítico da rodovia de 882 km. As principais medidas incluem:
- Avaliação Ambiental Estratégica (AAE): Contratação de uma consultoria independente pela Infra S.A. para avaliar riscos e propor soluções para o desmatamento, regularização fundiária e apoio às comunidades locais.
- Zona Crítica de Impacto: Delimitação de uma faixa de 50 km de cada lado da estrada, com fiscalização permanente via portais de controle, monitoramento eletrônico e vistorias in loco para combater desmatamento e atividades ilegais, como grilagem e extração de madeira.
- Ações Sustentáveis: Estímulo a cadeias produtivas agroflorestais, criação de unidades de conservação e apoio a terras indígenas e comunidades tradicionais.
- Passagens de Fauna: Construção de 123 estruturas ao longo da rodovia para proteger a biodiversidade, com prazo de 48 meses para conclusão.
O plano foi elaborado por um Grupo de Trabalho Interministerial, criado em 2023, com participação da Casa Civil, Ministério dos Transportes, Meio Ambiente e outros órgãos, visando integrar desenvolvimento e preservação.
Contexto e Controvérsias
Construída na década de 1970 durante o regime militar, a BR-319 foi abandonada nos anos 1980, tornando o Trecho do Meio intransitável durante o período chuvoso (dezembro a maio). A rodovia, única ligação terrestre de Manaus ao restante do Brasil, é vital para reduzir o isolamento do Amazonas e Rondônia, mas atravessa uma área sensível com 19% de terras indígenas, 32,8% de unidades de conservação e áreas de regularização fundiária precária.
Em 2022, o Ibama concedeu uma licença prévia para a pavimentação, mas a autorização foi suspensa pela Justiça Federal em julho de 2024, após ação do Observatório do Clima, que apontou “inconsistências legais, técnicas e ambientais” e um aumento de 122% no desmatamento no entorno da rodovia (2.240 km² em 2022). Apesar de uma leve queda em 2023, os índices seguem alarmantes, segundo o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex) da Imaflora.
Pesquisadores como Lucas Ferrante (USP/Ufam) e Philip Fearnside (Inpa) alertam que a pavimentação pode acelerar o desmatamento em até 1.200% no entorno, impactando 300 mil km² de floresta (maior que o estado de São Paulo) e afetando o ciclo hídrico, incluindo os rios voadores que abastecem o Sul e Sudeste do Brasil. A abertura de ramais ilegais e a falta de consulta a povos indígenas, como exige a Convenção 169 da OIT, também são pontos críticos.
Repercussão e Desafios
O acordo foi recebido com otimismo por setores políticos e econômicos, mas enfrenta resistência de ambientalistas. Postagens no X, como a da @cenariumam em 15 de julho, celebraram o pacto entre Marina Silva e Renan Filho, enquanto a @ECOWARRIORSS alertou que a pavimentação pode ser “o prego final no caixão da Amazônia”.
O Ministério dos Transportes defende que a pavimentação, orçada em R$ 1,751 bilhão, reduzirá o isolamento regional e fortalecerá a economia, com estrada-parque cercada por grades de 4 metros e 170 passagens de fauna. Já o Ministério do Meio Ambiente enfatiza a necessidade de governança para evitar grilagem e desmatamento, como ocorreu na BR-163.
A Justiça Federal voltou a suspender a licença prévia em 2 de julho de 2025, exigindo medidas de controle antes da obra. O governo planeja recorrer, enquanto o Observatório do Clima insiste em um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA), argumentando que o atual subestima os impactos.
Próximos Passos
O Comitê Interministerial está finalizando o relatório da AAE, a ser enviado ao Palácio do Planalto até agosto de 2025. O Ibama e o DNIT trabalham para atender as condicionantes judiciais, enquanto o Ministério das Relações Exteriores busca apoio internacional para o modelo de “estrada sustentável”. A pavimentação do Lote C (km 198 a 250) já está em andamento, com R$ 157,5 milhões investidos, mas o Trecho do Meio depende de nova licença.